Para compreendermos a relação entre o Banco Central do Brasil e o presidente Lula, é importante termos uma noção clara do que o Banco Central representa e suas principais atribuições. O Banco Central do Brasil, também conhecido como BC, BCB ou Bacen, foi estabelecido em 1964 pela Lei n°4.595 e tem como responsabilidade fundamental a definição e implementação da política monetária do país, com foco especial no controle da inflação.
Além disso, o Banco Central define a taxa básica de juros, conhecida como Selic, e desempenha outras funções essenciais, como gerenciamento dos depósitos compulsórios, empréstimos para instituições financeiras, atuação no mercado de câmbio e controle da emissão de moeda.
A Autonomia do Banco Central
A autonomia conferida ao Banco Central é um aspecto-chave que alimenta o atual debate entre o presidente do Banco Central e o presidente da República. Essa autonomia tem como objetivo evitar interferências governamentais na economia, pois acredita-se que um Banco Central autônomo aumenta a credibilidade do país no cenário internacional e garante uma gestão mais eficiente do controle da inflação, que é sua principal missão.
O processo de conquista da autonomia do Banco Central teve início em 2019, com a proposta do Projeto de Lei n°19. Apenas em 2021, com a sanção do ex-presidente Jair Bolsonaro à Lei Complementar 179/2021, esse processo se concretizou. No entanto, a discussão em torno da autonomia do Banco Central do Brasil remonta a 1999. Com a sanção dessa lei, ocorreram diversas mudanças na forma de administração dessa instituição autárquica especial, que anteriormente estava subordinada ao Ministério da Economia.
Uma das principais alterações diz respeito aos mandatos de quatro anos do presidente e dos diretores do Banco Central. O mandato do presidente do BC inicia no meio do mandato de um governo federal e termina no meio do mandato do próximo governo. Para ilustrar melhor, vejamos um exemplo:
O atual presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos, assumiu o cargo nos dois últimos anos do governo anterior, de Jair Bolsonaro, e só poderá deixá-lo no meio do mandato do presidente Lula, ou seja, daqui a dois anos. O atual presidente do BC foi indicado pelo ex-presidente Bolsonaro e teve sua nomeação aprovada pelos senadores e deputados, assim como os oito diretores, que também devem obter aprovação desses parlamentares e têm mandatos não coincidentes com o do presidente da República.
Efeitos da Autonomia
Com a autonomia concedida ao Banco Central, o presidente dessa instituição tem plena liberdade para decidir as medidas a serem adotadas em relação à taxa básica de juros, que é a principal ferramenta utilizada para controlar a inflação. Apesar de acarretar uma série de efeitos negativos na economia como um todo, se o presidente do BC julgar necessário elevar ou reduzir os juros como forma de conter a inflação, ele o fará
, pois seu foco está exclusivamente na política monetária, sem estar mais subordinado às decisões do presidente da República.
No cenário atual brasileiro, observamos que o Banco Central tem aumentado a Selic há algum tempo com o objetivo de conter a alta inflacionária. Aumentar a taxa básica de juros visa restringir o crédito e a demanda, com a expectativa de que a inflação diminua.
No entanto, esse enfoque contínuo em elevar ou manter alta a Selic está causando um estrangulamento da economia. As pessoas estão encontrando dificuldades para financiar carros e casas, sofrendo com juros abusivos nos cartões de crédito. As empresas estão enfrentando obstáculos para obter crédito para expandir seus negócios ou até mesmo mantê-los, o que tem resultado em demissões em larga escala. Infelizmente, não observamos melhorias significativas em relação à inflação. A Insatisfação do Presidente Lula em relação à Política do Banco Central
Esse panorama tem preocupado estudiosos da área, uma vez que a taxa de juros se tornou insustentável e não há uma explicação plausível para mantê-la nesse patamar, pois o efeito desejado de redução da inflação não tem sido alcançado e o Banco Central continua mantendo a taxa em níveis elevados.
Em fevereiro, surgiram rumores de que o presidente Lula estaria entrando em conflito com o presidente do Banco Central, Roberto Campos. No entanto, é importante ressaltar que o presidente tem todo o direito de criticar a política adotada pelo Banco Central, assim como o Banco Central também critica políticas fiscais que não o agradam.
A economia do país não pode ser fragmentada, analisada e conduzida por meio dessas duas políticas isoladas. Para resolver os problemas do Brasil, a política monetária e a política fiscal precisam trabalhar em conjunto. Lembremos que um dos objetivos da autonomia do Banco Central era a eficiência no combate à inflação. Entretanto, após dois anos, não vemos resultados positivos e observamos o país liderando o ranking mundial das maiores taxas de juros reais, em meio a um cenário interno de desemprego, fome e inflação elevada.
A BBC entrevistou Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, sobre o aumento das taxas de juros. No caso do Brasil e de outros lugares no mundo, essa medida está sendo exagerada, uma vez que, inicialmente, poderia ser benéfica quando as taxas de juros estavam baixas, mas agora saiu do controle, gerando mais efeitos negativos do que positivos para o país.
Stiglitz concorda com a preocupação do presidente em relação à taxa básica de juros, afirmando que, além de afetar o país internamente com desemprego, fome e aumento da desigualdade, isso também tem repercussões nas relações externas.
Dessa forma, podemos perceber que as divergências de opinião fazem sentido e, embora possa haver fundamentos políticos subjacentes ao descontentamento do presidente Lula em relação à administração do presidente do Banco Central, é muito justificável a preocupação com a taxa de juros excessivamente alta que temos enfrentado há um longo período e que não tem gerado efeitos positivos para o país.